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Uma palavra pode mudar tudo. Aquela carta de amor de tantos anos atrás faz doer no peito uma saudade. As fotos dos tempos de romance...



Uma palavra pode mudar tudo.
Aquela carta de amor de tantos anos atrás faz doer no peito uma saudade.
As fotos dos tempos de romance, o primeiro cartão-postal, as alianças ainda guardadas.
Em meio à tantas lembranças naquela pequena caixa amarela, um telegrama... que nunca tive coragem de ler.

Psiu! Senta aqui do meu lado! Deixa eu te contar uma história: eu conheci uma garota! Não me pergunte sobre seu perfume, nunca pude...



Psiu! Senta aqui do meu lado! Deixa eu te contar uma história: eu conheci uma garota!

Não me pergunte sobre seu perfume, nunca pude senti-lo. Também não insista para que eu descreva sua voz. Ainda não ouvi a melodia. Também não sei o quão quente seu corpo pode ficar junto ao meu. E não, não sei como fica rubro seu rosto quando eu digo que me apaixonei. Mas eu me apaixonei. E tenho vontade de dizer isso a cada cinco segundos, de tão alegre.

Me pergunte, quem sabe sobre o sorriso bobo que ela tem e que eu desenho em minha mente a todo instante. Me pergunte, também, sobre aqueles lábios vermelhos que se mexem maliciosamente enquanto ela diz o meu nome. Me pergunte sobre aquele olhar que nunca vi, mas que tanto conversou comigo em silêncio nas madrugadas de outono. Me pergunte sobre a pessoa que eu conheço mais dentro de mim e que eu sei que é a verdadeira. E única. Parece que eu a conheço desde antes mesmo de ter nascido.

Sou todo bagunçado, quebrado, despedaçado. E me basta um “Ei, você”, e meu autoflagelo se congela. Nesse instante não há sentido para dores ou incertezas, ou tristezas. Nesse instante eu corro o mundo de braços abertos com o coração em êxtase. Pois eu sou dela. E ela é minha.

Sabe quando você é criança e passa horas olhando a noite pela janela, esperando aquela estrela cadente aparecer para você fazer o pedido? Mas a estrela nunca cai e a espera se torna inútil. E se a estrela caísse? O que você pediria? Depois de tanta espera você ficaria tão feliz por vê-la que até se esqueceria de pedir. Eu estou tão feliz que esqueci de pedir.

Ah, não! Não cheguei a ver a estrela cadente que esperei por tantas noites da janela do meu quarto. Mas eu encontrei uma estrela. A qual eu me apaixonei.

E nem que eu descrevesse a beleza das milhares de estrelas no céu enquanto o piano banha a noite com notas cheias de amor, eu seria capaz de comparar com o que ela me faz sentir. Nem que alcançasse a lua sem tirar os pés do chão, eu poderia expressar essa felicidade.

Mas não conte isso a ela, viu? É segredo nosso...

Psiu! Eu tô apaixonado por você! Agora vem cá e me abraça. Não larga nunca mais, tá? Pois eu sou todo seu!

Imagem: Andreia Miranda - Papel Online  Fim de tarde, véspera de feriado. O terminal lotado de pessoas e malas: correndo de um lado par...

Imagem: Andreia Miranda - Papel Online 
Fim de tarde, véspera de feriado. O terminal lotado de pessoas e malas: correndo de um lado para o outro, nas filas intermináveis dos guichês ou das lanchonetes, à espera de alguém que está para vir ou com quem está para partir. Muitos rostos emocionados. Outros, empolgados. Alguns tristes. Na maioria, um sorriso molhado. Tem os apressados, aqueles preocupados em não perder a viagem. E tem os que observam a vida acontecer naquele complexo rodoviário. 

Mentalmente tenho como companheira Maria Rita, interpretando Encontros e Despedidas, do amigo Milton Nascimento. 

Caminho até próximo de uma das paredes da rodoviária, onde há um quiosque da Chilli Beans. Melhor ponto de vista para quem espera aqueles que acessam pela saída do metrô. A qualquer instante meus amigos chegariam para integrar, junto a mim, o grupo dos que partem empolgados. 

Sentado em um dos bancos à minha esquerda, um senhor com camisa azul e bolsa pequena confere as passagens, forçando os olhos para a leitura naquele pequeno papel. A senhora de blusa marrom, provavelmente sua esposa, senta ao seu lado, oferecendo um saco pequeno de pão de queijo e indicando a marcação do horário no bilhete. Dois bancos atrás, quatro jovens planejam os próximos três dias do feriado como turistas no Rio de Janeiro.

Ali, perto de mim, um rapaz e duas moças param. Uma das garotas se despede do rapaz e continua em direção à plataforma. A outra, já com lágrimas nos olhos,abraça aquele que parece ser seu namorado. Ele retribui, envolvendo seus braços na garota e beijando carinhosamente sua testa. Um parece não querer sair dos braços do outro. Alheios à movimentação à sua volta, o casal chora em silêncio. O abraço todo se faz nesse silêncio. Se desgrudam por um instante, para olhar nos olhos um do outro. Ele segura seu rosto e diz, baixinho, que a ama. Ela diz que o ama também. Voltam ao abraço confortável. Ela, com a cabeça escondida no peito dele. Ele, beijando o alto da cabeça dela com carinho. "Eu nunca vou te esquecer", ele diz. Ela afirma com a cabeça, como quem não consegue dizer palavra alguma. Se beijam calmamente. As lágrimas ainda escorrem quando ela volta a abraçá-lo, ainda mais apertado. 

Pronto. Lá vai ela saindo de seu abraço em direção à plataforma onde a amiga já a esperava. Ele continua parado, ainda sentindo o quente dos seus lábios e o calor de seu abraço. Tenta secar as lágrimas com a manga comprida da camisa verde musgo. Olha para um lado, olha para outro, aparentemente desnorteado. Se volta para trás, de onde veio, e desaparece na multidão. 

Novamente sozinha, pude sentir a dor daquele abraço de despedida. E lembrei do meu.



E dizer, a essa altura, qualquer palavra que remeta a um sentimento, não me cai bem. Regrada ao silêncio confesso tons à Lua. 



E dizer, a essa altura, qualquer palavra que remeta a um sentimento, não me cai bem. Regrada ao silêncio confesso tons à Lua. 

Imagem: Google Qual o mistério por trás de teus olhos castanhos? Nessas tuas lentes de um grau de miopia enxergo o reflexo da tua í...

Imagem: Google


Qual o mistério por trás de teus olhos castanhos? Nessas tuas lentes de um grau de miopia enxergo o reflexo da tua íris, que, de maneira torta e até atordoada, busca o foco d’aquela suntuosa alma, embaçada pelas lágrimas que escorrem no teu rosto feito cachoeira no alto de uma colina, entre pedras que se assemelham ao coração de quem partiu sem se preocupar em dizer adeus. Ou até logo. 

Partiu. Pegou a estrada. Partiu. Pobre coração...

Um assobio ecoa de baixo para cima, sobrevoando caminhos, mares e florestas em busca da fonte daquele rio que escorre em cachoeira, feito passarinho que saiu da arca para procurar o mínimo da esperança enquanto, em dilúvio, acabava-se o mundo. Acabou o seu mundo?

Coração grande, alma gigante, corpo pequenino, choramingando numa floresta cheia de espinhos, presentes no coração em desalinho. Pobre passarinho...

Qual o mistério daquele ‘nada’ em seu coração? Nada que te compadeça mereça total falta de atenção. Falta de nada. Nada: toma conta de tudo. Em tudo se encaixa o sentimento absurdo. É amor? É a vida. Deixar ir embora sem esperar o adeus, bater as asas apenas desejando, de todo o coração, que tudo se encaixe. Asas, bicos, olhos, dentes. 

Passarinho míope! Bateu no vidro do arranha-céu e morreu.


Ilustração: Emily Speiss Acordo pensando nela. E a primeira coisa que eu faço é pegar o celular e verificar as mensagens. Sorriso bo...



Ilustração: Emily Speiss

Acordo pensando nela. E a primeira coisa que eu faço é pegar o celular e verificar as mensagens. Sorriso bobo. Como de costume, lá está o recado em seu toque romântico: ou diz que está com sono e precisa dormir, e certamente, ao enviar a mensagem, eu já tenha dormido, ou, já consciente de que o sono me pegou, deseja-me uma boa noite e diz que estará comigo o tempo todo, como um anjo cuidando de outro, ou o simplesmente incrível ‘eu te amo’, que a cada dizer me encanta e me paralisa espontaneamente, como se fosse a primeira vez.

E mesmo sem dizer, o amor está inserido, concebido, enrolado em cada palavra, em cada letra, em cada vírgula, em cada espaço. Nosso “bom dia” tem um “eu te amo”, nosso “tudo bem?” também tem. E não apenas palavras. Meus pensamentos incontidos gritam em um diálogo entre si: “eu te amo, te amo, te amo”. Como se fosse a primeira vez...

E a primeira vez, como foi? Foi da forma mais bonita possível. Assim, espontânea. Tão forte e verdadeira que deixou escapar sem nem perceber, como se abrisse a janela sem perceber que, por trás da cortina, uma borboleta ansiava liberdade e ali estava à espera de um pouco de sorte. Assim ela deixou escapar as palavras, que deram asas ao que hoje vem crescendo sem que tenhamos pressa de medir. 

Cada passo do meu dia é dado com um único pensamento: ela. Será que já acordou? Está com frio? Já saiu de casa? Está na faculdade? Está se divertindo? Trabalhando? Está feliz? Será que está pensando em mim? Sorrio. Aquele sorriso bobo que ela tanto gosta: sim, está pensando em mim!

Meu sorriso tem gosto de felicidade. Fecho os olhos e a encontro sorrindo para mim. Parece a cena de um filme bonito, daqueles em preto e branco, que arrastavam multidões de moças aos cinemas, e que elas saíam de lá com a esperança e certeza de que algum dia, aquele amor dos mocinhos, puro e verdadeiro, acertariam seus corações. Mas não é um filme bonito, é melhor que isso, é a minha vida, e é real.

Usando as palavras de um livro do qual gosto muito, estou numa montanha russa que só vai para cima. No caminho, pelos trilhos dessa subida infinita, encontro mais amor. E à medida que vou subindo, esse amor aumenta, duplica, triplica, multiplica. 

Amor com doses exageradas de paixão, daquela bem fogosa, que mexe com todos os sentidos, que tira os pés do chão, de um jeitinho bem clichê, sem medir caretices ou renovadas estripulias. Paixão com doses exageradas de amor, provando que um completa o outro, que são coexistentes nesse mundo que é só meu e dela. Para sempre.





A voz metálica anunciava a próxima estação. Desembarque pelo lado esquerdo. Rostos estranhos, parados, conversando, o burburinho aument...



A voz metálica anunciava a próxima estação. Desembarque pelo lado esquerdo. Rostos estranhos, parados, conversando, o burburinho aumentando, risos frouxos ou contidos, alguns reclamões nossos de cada dia e todos cansados por mais um dia na rotineira cidade da capital. Eu os observava atentamente, até que avistei, parcialmente, um rosto conhecido, um velho amigo.

Uma bolsa, no meio do caminho, pertencente a uma senhora moça vestida de branco e sapatilhas azuis, interrompia boa parte do rosto do garoto, mas reconheci a sobrancelha, alinhada da mesma forma que a do meu amigo. A orelha esquerda tinha o mesmo tamanho e formato. O cabelo igualava o corte recém adotado pelo meu velho conhecido. O tom da pele não poderia ser outro. Até mesmo a forma de mexer a parte de trás do cabelo me fez ter a certeza: era ele! E a roupa? Uma camiseta qualquer coberta por um colete marrom: sem dúvida era ele!

Mas então... por um instante, a certeza mudou de forma: avistei uma de suas mãos. Definitivamente, não era a mão dele! Não poderia ser! As mãos do meu amigo possuem os dedos longos, finos, tortuosos, por assim dizer. Bem diferentes daquela que eu avistava. A moça de vestido branco e sapatilhas azuis pegou a sacola da Brooksfield que o rapaz de colete marrom e mãos pesadas segurava. Aguardei a próxima estação com certa ansiedade: queria que ela saísse logo da frente de minha visão. Não para constatar se aquele era meu amigo ou não, mas eu queria saber se minha teoria sobre suas mãos estava certa. De fato, estava: não era meu amigo.

Tal caso levou-me de súbito à uma estranha revelação sobre mim mesma: reparo nas mãos das pessoas. Comecei a mapear, mentalmente, as mãos dos mais próximos a mim. Dedos finos, longos, grossos, tortos, curtos, com cicatrizes, manchas, pintas... pintas! As mãos de alguém, em especial, que passeavam pelas minhas lembranças, chamou-me a atenção.

Não vejo aquelas mãos há alguns meses, mas posso desenhar perfeitamente seu contorno. Em seu anelar da mão direita, há uma pinta. Correndo o olhar, subindo o braço, outra pinta completa o mapa, com cerca de um palmo aberto de distância entre uma e outra. Um lindo desenho perfeitamente simétrico. As mãos em si são finas, dedos longos, até um pouco tortuosos, também, mas não como as do meu amigo. Há uma característica única naquelas mãos que ainda não sou capaz de identificar, mas saberia reconhece-las em qualquer lugar. 

E sentir, também.

Ainda posso sentir aqueles dedos finos entrelaçarem-se aos meus enquanto caminhávamos pelas ruas, ou parávamos em frente a uma vitrine para namorar algum produto. Ou no ônibus, quando ela encostava sua cabeça em meu ombro, e, por vezes, chegava a dormir. E nossas mãos permaneciam entrelaçadas durante todo o trajeto. Ou então apoiava sobre minhas pernas. 

E me lembro também da temperatura. Mudava conforme o humor. Geralmente, eram quentes, como seu forte gênio. Suas mãos esfriavam apenas quando estava triste, ou desanimada, ou carente. Eu as esquentava com minhas mãos quentes. O que era estranho, pois eu sempre tive as mãos frias, mas ali, ao lado dela, parece que meu corpo em tudo se adaptava para ela, por ela. 

O rapaz que parece meu amigo, mas possui mãos diferentes, levantou e despertou-me de tantos devaneios. Devaneios bons, devo confessar. Quase lhe sorri como forma de agradecimento, quando ele passou por mim para sair do trem. Retornei o olhar para o lugar onde ele estivera sentado antes. Uma moça ocupava o banco. Cabelos longos, castanho escuro, óculos vinho transparente, jaqueta jeans azul por cima de camiseta branca, all star branco com desenhos coloridos. Tão parecida em alguns aspectos, mas... Mãos branquelas e dedos curtos. Sem graça. Próxima estação: Jabaquara. Hora de ir para casa. 

Reprodução: Salvador Dali -  La persistencia de la memoria Despir-se: Do passado, de sombras, de medos, de sonhos, de loucuras....

Reprodução: Salvador Dali -  La persistencia de la memoria


Despir-se:

Do passado, de sombras, de medos, de sonhos, de loucuras... de pessoas. Encontrar a válvula de escape e escapar pelo ralo, ou pela porta da frente. Qual a diferença?

Ocultar o medo e a incerteza do tempo que virá. O tempo, sem pressa, vai com as lembranças, uma a uma, ocultar. O tempo... incerto, sem medo. 

Deixemos o passado. É hora de mudar:  nosso tempo acabou.

Seis e meia de uma manhã de verão. O despertador toca e eu ainda nem consegui dormir. Entre lençóis e cama vazia, passei a noite sent...



Seis e meia de uma manhã de verão. O despertador toca e eu ainda nem consegui dormir. Entre lençóis e cama vazia, passei a noite sentindo a falta que seu corpo quente deixou em mim. Meus braços enrolam o seu travesseiro enquanto uma lágrima escorre até chegar à ponta do nariz e morrer na fronha, que abafa meu choro, já silencioso. 

Levanto relutante e me enfio embaixo do chuveiro, desejando, talvez, que a água fria me desperte dessa vontade insaciável de você. Sem sucesso, acabo me lembrando daquela noite em que você chegou sem avisar e me surpreendeu durante o banho. Você me segurou no alto, quase deixando a minha cabeça encostar no chuveiro, beijou cada parte do meu corpo enquanto a água escorria fria entre nós, aumentando a temperatura de prazer e, mesmo com a água, suávamos enquanto nossos corpos uniam nossas almas. 

Coloco a roupa básica de sempre. Já não me arrumo como antes: decotes exagerados e batons fortes para chamar a sua atenção. Hoje uso o preto para tentar ficar invisível para você e saio de casa com toda essa certeza de que é melhor assim. E meus olhos logo te avistam. Tento disfarçar e me concentrar em meu trabalho, mas é difícil quando alguém como você, que me provoca calafrios e excitação, está a poucos metros dali. 

Mais um dia improdutivo, para mim. Observo você se movimentar para lá e para cá com papeladas, documentos, arquivos em vídeo, câmeras e gravadores. Você trabalha enquanto o mundo gira, o mundo gira enquanto eu não consigo desviar a atenção de você, não desvio os olhos de você enquanto você nem repara em mim. Deu certo. Tentar ficar invisível para você, quero dizer. Infelizmente. 

Corro até o ponto de ônibus. Acabo de perder o meu. O vento forte começa a dar sinais de uma breve e devastadora chuva de verão. Os pingos caem feito pedra em minha pele e cogito a ideia de voltar para a agência. O carro preto para diante do ponto e meu coração acelera enquanto o vidro desliza para baixo. 

- Entre! Te deixo em casa.

Vinte minutos até minha porta sem trocar uma palavra no caminho. Vejo você me olhando pelo canto do olho, com aquele sorriso de lado que você tem. Minhas mãos, que antes acariciavam suas coxas enquanto você dirigia, não sabem se ficam sobre minhas pernas ou no banco, ou se apoio na janela. Olho para a rua tentando ignorar o retrovisor, que mostra bem a cor exata de seus olhos. Conto as casas pelo caminho, como quem conta carneirinhos para tentar dormir. Me perco com os números logo que o carro sobe a calçada. Está calor. Estamos queimando. Ardendo.

A pressa quase nos faz arrancar a porta, ao invés de abrir. Tropeçamos no sofá, quase caímos na mesinha de centro da sala, derrubamos a luminária de mesa no chão e esbarramos na parede enquanto os beijos fervorosos e contínuos nos deixam sem fôlego. Ali mesmo o sexo começa. Tiro a camisa sem esforço algum e você arranca minha calça social. Segundos depois você desabotoa a sua camisa e eu tiro seu cinto e abaixo o zíper da sua calça. Mais alguns segundos e todas as roupas ficam no chão.

Minhas pernas envolvem seu corpo e já posso sentir você dentro de mim. Gritos e sussurros disparados enquanto fazemos amor: dançamos os passos não ensaiados, mas perfeitamente sincronizados no ambiente escuro. E então estou olhando dentro dos teus olhos, enxergando sua alma, e você responde, também com o olhar, que enxerga a minha com a mesma facilidade. 

E então já não estou mais em lençóis avulsos na cama vazia. Seu corpo quente me faz companhia por toda a noite e, por três vezes, enquanto seus braços me enrolam, você diz com todas as letras: eu amo você! - o dia amanhece e seu telefone toca.

- Oi, linda... Sim, trabalhei até agora... pois é, eu tinha que entregar pro cliente agora pela manhã... ah, claro, amor!... Pode deixar!... Certo... chego em quinze minutos. Beijos. 

Você procura na cômoda a aliança dourada que tirou horas antes. Coloca na mão esquerda. Continuo sentada na cama, agora vazia, enquanto você reúne suas roupas pelo chão. 

- Eu amo você! ­– repete.

- E você a ama, também...!

- Sim, eu a amo, também.

- Por favor, tranque a porta, ao sair!

Meus pedaços ficam aqui mesmo, no chão do quarto, enquanto vejo você partir pela milésima vez.

Parei de voar. De repente me vi sem asas lá do alto. Tarde demais para gritar por socorro. Não havia nuvens para me segurarem. Não ha...



Parei de voar. De repente me vi sem asas lá do alto. Tarde demais para gritar por socorro. Não havia nuvens para me segurarem. Não havia torres para eu agarrar. Não havia você aqui embaixo, para me amparar. Eu estava lá... em queda livre.
E quanto mais eu me aproximava do chão, mais as lembranças do ‘nós’ apareciam na minha frente: o dia em que te conheci, a primeira vez em que você sentou-se à mesa do bar conosco, a inesquecível conversa no MSN, o seu mau-humor nas primeiras férias, as perguntas sem respostas, o modo como você entrou em minha vida, os passeios no shopping, o meu vício em você, as mensagens de cinco em cinco segundos, os comentários sobre nós, minha queda, as asas que você me deu, nosso primeiro beijo, nosso namoro, o sentimento que foi crescendo e crescendo e crescendo...
                ‘Eu não me vejo mais sem você’. É. Eu também não. E está sendo difícil. ‘A intenção era você aproveitar para ficar completamente longe de mim. Sem sofrer’. Impossível. Sinto dizer, mas não penso em outra forma pior de me fazer sofrer, no momento. Para dizer bem a verdade, queria não ter te conhecido. Queria que você continuasse sendo a pessoa estranha que muda de humor a cada segundo, a pessoa que, por coincidência, estudasse no mesmo lugar que eu, que fizesse o mesmo curso que eu. Nada mais. Nada além de meros conhecidos que se cruzam nos corredores e dizem apenas ‘bom dia’. Eu mal sabia seu nome.
                Hoje sei seu nome. Seu telefone eu tenho de cor. As músicas que você gosta me perseguem até em lojinhas de doces. Os filmes que você assiste passam em todos os canais. Restaurantes, sobremesas, livros, canecas, jogos eletrônicos... tudo me faz lembrar você. Impossível não pensar em você ao comprar um pacote de balas de goma, ou quando coloco um pouco de pimenta na minha comida. Quase posso ouvir você reclamar: ‘Para de comer isso! Vai te fazer mal’. Penso em você quando me jogo no sofá. E também quando passo em frente a um sebo. Penso em você quando meu celular toca. Uma nova mensagem, mas não tem seu nome. Penso em você até quando os passarinhos cantam. Imagino que você os xingaria... se estivesse aqui. Tudo me traz um pouco de você. Lágrimas de sangue. Quantas vezes eu ri disso?
                Nunca fui tão verdadeira com uma pessoa, quanto sou com você. Nunca tirei a máscara para ninguém, além de você. Nunca fui tão eu mesma, quanto fui com você. Ao mesmo tempo nunca tive tanto medo de dizer certas palavras, quanto tive ao estar com você. Porque, pela primeira vez, elas pareciam, de fato, fazer sentido. Um sentido meio complexo, meio sem explicação, mas totalmente coerente, dentro do meu coração. Você despertou em mim o verdadeiro, me manteve com os pés no chão e ao mesmo tempo me deixou livre para voar com você. Agora você não quer mais voar. Deixou-me sem asas e sem você...