Poderíamos nomear Zacarias o nosso professor de Teorias, ou chamar de rei aquele velho catador de papelão que está todas as ma...

Para não dizer ADEUS*

Por | 15:30
          Poderíamos nomear Zacarias o nosso professor de Teorias, ou chamar de rei aquele velho catador de papelão que está todas as manhãs nas ruas da Vila Mariana. Poderíamos, quem sabe, escrever aquela canção dos Beatles em que diz que não é preciso temer. E por onde anda o Jude? Está dentro de nós. Somos reis, complexos teóricos de nossas próprias vidas, somos amigos, companheiros, e estamos aqui para aprender. Cada um de nós é exemplo claro e absoluto de nossas épocas. O que sou hoje refletirá na vida de meus filhos amanhã. Se for tristeza ou alegria, pacato ou agitado, sou feliz porque sou eu; em minha singularidade e espontaneidade sou apenas eu, dentro deste meu casulo exposto aos vossos olhos e aberto aos meus amigos.
          Eu não tinha lugar para onde ir. Havia passado a noite em casa de amigas, e resolvi voltar cedo para casa. Não havia passado muito o horário do almoço, e o sol raiava ainda ‘forte’, daquela maneira de fim de inverno. Eu estava sem minhas chaves de casa. Joguei a bolsa pesada para dentro do quintal. Caminhei totalmente sem destino algum. Ninguém atendia o celular. Não havia aonde eu me abrigar. Estava esfriando cada vez mais, e aquele sol de inverno, de tão fraco, não poderia me esquentar. Uma visita à lanchonete, um chocolate quente, talvez. Aquela música tocou novamente: “Hey, Jude, don't make it bad, take a sad song and make it better”. Meu mundo então parou. De repente me lembrei de sua crônica. Sua ULTIMA CRÔNICA*. Quase chorei. Já estava eu ‘naqueles dias’, mas detalhes à parte, eu estava extremamente sensível. Difícil foi lembrar-me de cada palavra sem esboçar aquela triste expressão de sentir algo derramando feito sangue em minhas mãos. Ele se foi. E não há nada que eu possa fazer. Estava clara sua despedida.
          Das inúmeras boas coisas que conquistei nesta vida universitária, de certo ele foi uma das primeiras. Mesmo sendo o cara chato, porém legal, aprendi a conhecê-lo e, com isso, inevitavelmente, aprendi a amá-lo. Este é, dentre tantos nomes em meu coração, um em destaque total, meu bichinho de pelúcia mais fofo e peludo, meu companheiro inseparável das travessuras de crianças de vinte anos. Acredito que nada lhe ensinei, mas muito com ele aprendi. Escutar as pessoas é característica especial, acompanhada pela forma de ver a vida com muito bom humor, respeito e integridade. Com ele aprendi que amar é amar, em qualquer ocasião, e que felicidade é ter uma família quase boa, ter ao menos um amigo que realmente se possa chamar de AMIGO, ter idéias positivas, dar boas risadas, não desanimar em encontrar o verdadeiro amor, ajudar os outros, e saber que no mundo existem pessoas que realmente vale a pena conhecer.
          O chocolate havia acabado. Continuei caminhando e voltei para casa. Lá estava minha família. Tomei um banho, jantei, li um pouco e dormi. Sonhei com ele. Estávamos caminhando pelo parque, quando ele me diz que o mundo continuará girando, e que um dia umas de nossas pontas de vidas iriam se cruzar novamente. Fiquei com raiva e dei aquele velho tapa em seu braço. Ele sorri e diz que sempre me amará, e se lembrará de mim por esses detalhes. Fecho os olhos quando ele me beija no rosto e, no momento em que abro, ele não mais está lá. Acordei com o despertador. Hora de levantar e ir à faculdade. No carro, o silêncio entre meu tio e eu era perturbador. Ele estava irritado com a sinalização falha das ruas da cidade de São Paulo e eu estava irritada por aquela última crônica e pelo meu sonho. Era tão difícil aceitar tal despedida.
          Caminhando pelas ruas da cidade, desta vez com um destino, cheguei à faculdade, terminei meu trabalho... e o vi. Ele confirmou tudo o que eu temia, e dizia que me amava e que a gente ia continuar amigos. Mas eu sei como as coisas acontecem: Primeiro perdemos o contato pessoal. Dali a pouco ele pára de atender minhas ligações, esquece de ler meus e-mails e não demora muito para esquecer-se de mim. Perguntarão-lhe sobre a Bruna, que estudava com ele, e ele dirá que havia muitas pessoas na sala, impossível lembrar-se de alguém, especificamente. E então serei eu apenas uma, dentro muitos que ele conheceu.
          O motivo para tudo isso? A vida não é um mar de rosas. Encarar os problemas não é tão fácil quanto as palavras incitam. Entendo as suas dificuldades e só lhe digo que poderia seguir sem medo. Não posso olhar naqueles olhos sem ter essa vontade de chorar. Estou pendendo meu amigo. Ele me diz para não olhá-lo com essa cara de quem vai brigar, mas parece não entender que é apenas um reflexo de meu sofrimento interno. Ele se foi. Continuo caminhando por estas ruas, lembrando dessa linda página da minha vida escrita por ele, meu rei, meu professor, meu companheiro, meu compositor e escritor, meu eterno amigo PIU!. Os fones de ouvido continuam comigo, me transmitindo aquela música que me fez lembrá-lo. A canção ainda diz para não temer. E para ele eu digo:

"Hey, Gil, don't make it bad,
take a sad song and make it better
Remember, to let her into your heart,
then you can start, to make it better.

Hey, Gil, don't be afraid,
you were made to go out and get her,
the minute you let her under your skin,
then you begin to make it better.
And anytime you feel the pain,

Hey, Gil, refrain,
don't carry the world upon your shoulders.
For well you know that it's a fool,
who plays it cool,
by making his world a little colder.

Hey, Gil, don't let me down,
you have found her now go and get her,
remember (Hey Gil) to let her into your heart,
then you can start to make it better.
So let it out and let it in,

Hey, Gil, begin,
you're waiting for someone to perform with.
And don't you know that is just you?
Hey, Gil, you'll do,
the movement you need is on your shoulder.

Hey, Gil, don't make it bad,
take a sad song and make it better,
remember to let her under your skin,
then you'll begin to make it better !"**


*Minha última crônica
**The Beatles - Hey Jude
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