Imagem Google |
Um amor não deveria ser discriminado. É tão lindo ver duas pessoas se olhando, se curtindo, se querendo e se amando. Mas como vencer as barreiras se o preconceito existe dentro do próprio lar? Meus pais nunca aceitaram minha sexualidade. Cresci com o conceito de que mulher deveria gostar de homem e homem de mulher, que era errado e vergonhoso duas pessoas do mesmo sexo se amarem. Sociedade hipócrita que comete os mais absurdos erros e os camufla atacando inocentes amantes como nós. Eu amei e não pude viver este amor. Pedi a ela que saísse da minha vida.
Com o tempo percebi que minha felicidade não dependia do julgamento alheio. Meus pais continuavam contra, mas eu já não podia esconder minha verdadeira identidade. Na festa de formatura da faculdade decidi viver minha própria vida. No dia seguinte viajaria os 120 km que nos separava. Meu pai disse que se eu saísse, seria para nunca mais voltar. Mesmo com aquela dor no coração, eu já havia tomado a decisão. Peguei o velho Ford e segui à Santos, com uma pouca bagagem e bastante determinação.
- Minha irmã está no Rio.
- Rio de Janeiro? Mas porque ela foi embora?
- Depois que você a mandou para fora da tua vida, muita coisa aconteceu. Perdeu o emprego, não conseguia mais estudar, depois veio a morte do meu pai. Ela brigava direto com minha mãe, e então decidiu ir. Disse que iria para São Paulo mesmo, mas não sei por que mudou de ideia.
- Sabe como posso encontrá-la?
- Entre, vou pegar o telefone.
A casa era a mesma, só os móveis estavam em disposições diferentes. Os troféus de natação ainda sobre a estante. Enquanto ele procurava pelo número de telefone, fui até seu quarto. O mesmo quarto lilás, cobertas claras sobre a cama, a janela ainda emperrada, o abajur da Disney, a pilha de CDs importados e os DVDs românticos. Na parede principal, o painel de fotografias. Eu estava em quase todas. Dentro da gaveta semiaberta, todas as cartas que lhe escrevi. Nosso amor de verão se tornou eterno.
- Está tudo exatamente igual!
- Sim. Minha mãe, apesar da mágoa, ainda acha que ela irá voltar. Bem, aqui está o endereço, telefone, a faculdade em que ela estuda e o endereço de onde ela trabalha.
- Valeu, Carlos. Te devo essa!
- Bianca, eu nunca me dei muito bem com minha irmã, mas eu quero o melhor para ela. Aqui está o endereço, mas é importante que você saiba – Ele parecia procurar as palavras certas, mas estava com receio em dizê-las – a Laura está feliz, com outra pessoa. Ela sofreu muito quando você foi embora. Se você ainda a ama, não estrague essa felicidade que ela recuperou!
Aquilo me destruiu. Eu a mandei embora da minha vida, porque tinha que estar tão surpresa por ela já ter outro alguém? Peguei meu carro e rodei por toda a cidade. Os verões mais lindos foram ali, ao lado dela. Parei na orla da praia e deitei na areia. Aquela lua que observamos tantas vezes juntas parecia tão triste quanto eu. Os sons das ondas do mar eram minhas lágrimas silenciosas. Arrependo-me de ter dito adeus, de não ter aproveitado mais os momentos ao seu lado. Não havia como voltar atrás. Eu não iria fazê-la infeliz pela segunda vez.
- Algo me disse que te encontraria aqui!
- Pai?
- O Carlinhos me contou o que houve. Você realmente a ama?
- Olha, pai... eu sei que o senhor não acredita nessas coisas, que tem vergonha de mim, mas...
- Eu acredito! Sempre acreditei e admirei quem tivesse coragem o suficiente para admitir, mas isso quando era longe de mim. É a primeira vez que acontece tão próximo. Eu sempre via as pessoas sofrerem por causa do preconceito, apanharem, serem discriminadas em todos os lugares. E você é minha garotinha, não queria isso para você. Mas percebi que você é muito mais corajosa e mais forte que eu imaginei. É até mais corajosa que eu. Não vou pedir que me perdoe, mas quero que saiba que o que eu sempre fiz, foi tentar te proteger.
- Pai, eu te amo!
Nem é preciso dizer que me acabei em lágrimas. Voltei para casa seguindo o carro de meu pai. Sabia que não seria feliz sem ela, mas já era o suficiente ter o apoio dele. O tempo foi passando e aos poucos fui me acostumando com a dor. Passei um ano de intercâmbio na Austrália, depois mais seis meses no Canadá. Durante a viagem, enviei à ela um telegrama, com dedicatória e poucas palavras. Nunca recebi resposta. Quando voltei ao Brasil, comecei a trabalhar numa agência de Publicidade.
Dois anos se passaram desde que estive no litoral pela última vez. Meu pai queria a família reunida no natal. E partimos para a cidade praiana do meu amor de adolescência. Fotografando o calçadão da orla da praia, encontrei aquele rosto conhecido. Ela estava tão bem, sorrindo, sentada na areia, com mais alguns amigos, tomando água de coco. Petrifiquei-me ali mesmo, sem tirar os olhos dela, com vontade de correr e abraçá-la, mas sem encontrar coragem. E se ela me odiasse? Se nem se lembrasse de mim? Eu não tinha o direito de estragar sua diversão. Seria melhor ir embora e guardar, para sempre, aquela cena do seu lindo sorriso. Guardei a câmera e voltei para casa.
Aquela noite fizemos um luau na praia. Peguei o violão e, em volta da fogueira, com minha família e amigos, cantei algumas canções. Alguém puxou aquela música que ela sempre cantava para mim. “Ela me faz tão bem, ela me faz tão bem, que eu também quero fazer isso por ela.” Acompanhei com alguns acordes. O refrão me machucou. Terminei de tocá-la, entreguei o violão ao meu primo e me levantei.
- Aonde vai?
- Dar uma volta.
- Sozinha?
- Sim. Não demoro. Só quero molhar os meus pés.
Enquanto um pedaço de mim tocava uma parte mínima do grande Oceano Atlântico, eu pensava em como seria tê-la ao meu lado, naquele momento. O amor é assim mesmo? Acho que sim. Não tem idade, não tem sexo, nem distância ou barreiras que o faz acabar. O amor não tem limites nem medidas. O amor é assim, belo e formoso. Até sua dor, a mais forte de todas, é uma dor que você, no fundo do seu coração, gosta de sentir. O amor é masoquista. Quem nunca sentiu um amor tão forte assim, não deve ter sido feliz. Sou feliz só pela certeza de que existe, no mundo, alguém como ela, que me faz suspirar de paixão, que me faz tanto querer um bem a outro alguém, que faz dos meus sonhos os mais lindos, que me aquece de ternura nas noites de inverno e refresca meu coração nas tardes quentes de verão. O amor é isso e mais um pouco. Muito mais um pouco. Não sou capaz de descrevê-lo como se deve. Acho que ninguém nunca foi. Mas sou capaz de senti-lo. Um amor não deve ser esquecido e, quando verdadeiro, deve ser conquistado inúmeras vezes, cada dia, cada segundo. Eu não poderia desistir desse amor. Jamais. Fui até a casa dela, a pé mesmo, pela praia. As luzes noturnas eram tão belas, mas nada se comparava ao brilho da lua. Ela estava feliz e eu, confiante.
- Oi, Carlos! Sei que está um pouco tarde, mas eu preciso falar com a tua irmã!
- Oh, minha querida! Ela acaba de sair!
- Sabe para onde ela foi?
- Acredito que na Portuários. Hoje tem show de Lulu Santos.
Peguei o primeiro táxi que passou e entrei na Portuários. Lulu cantava Assim caminha a humanidade. Eu a procurei por toda a parte. A casa estava cheia. Ela sempre amou as canções do cara. Na certa estava na primeira fila. Com muito esforço, após três cotoveladas, cinco bate-cabelos, cheguei na metade da pista. Já estava em Aviso aos navegantes. Mais algumas pisadas no pé, aquele espirro nada agradável na minha direção, pessoas pulando e cantando com o cara.
Cheguei à primeira fileira bem no momento em que ele canta AQUELA canção. “Ela me encontrou, eu ‘tava’ por aí, num estado emocional tão ruim...” Fiquei parada, sem reação, olhando para aquela interpretação, e me vinha à cabeça imagens de nós duas. A primeira vez que ela cantou essa música para mim foi no nosso primeiro verão. Eu a julguei me esquecer logo que as férias acabassem. Ela me prometeu que isso jamais aconteceria. Me pegou em seus braços, beijou meus lábios e começou a cantar. Em todas as cartas que me mandou, havia um trecho dessa canção. “De ser querer bem, de se querer quem se tem...” Eu já não mais a tinha. Havia fracassado, pela segunda vez, na tentativa de pedir perdão. Ela não estava por lá.
Mas então uma luz iluminou a multidão, e pude encontrar seus olhos rasos d’agua, acompanhando a canção. Seu olhar encontrou o meu, e seguiram-se vários segundos sem que pudéssemos reagir. Parecia tão surreal. Pude sentir sua respiração forte, mesmo com o público pulando e o som ao vivo invadindo cada milímetro quadrado do ambiente. Ela desviou cinco pessoas que estavam em nosso caminho e pulou em meus braços. Como eu desejei poder sentir, novamente, esse abraço. Passamos o restante da canção assim, abraçadas, sentindo as batidas do coração uma da outra, sem dizer uma palavra. E pela primeira vez, em doze anos, eu disse que a amava.
Com o tempo percebi que minha felicidade não dependia do julgamento alheio. Meus pais continuavam contra, mas eu já não podia esconder minha verdadeira identidade. Na festa de formatura da faculdade decidi viver minha própria vida. No dia seguinte viajaria os 120 km que nos separava. Meu pai disse que se eu saísse, seria para nunca mais voltar. Mesmo com aquela dor no coração, eu já havia tomado a decisão. Peguei o velho Ford e segui à Santos, com uma pouca bagagem e bastante determinação.
- Minha irmã está no Rio.
- Rio de Janeiro? Mas porque ela foi embora?
- Depois que você a mandou para fora da tua vida, muita coisa aconteceu. Perdeu o emprego, não conseguia mais estudar, depois veio a morte do meu pai. Ela brigava direto com minha mãe, e então decidiu ir. Disse que iria para São Paulo mesmo, mas não sei por que mudou de ideia.
- Sabe como posso encontrá-la?
- Entre, vou pegar o telefone.
A casa era a mesma, só os móveis estavam em disposições diferentes. Os troféus de natação ainda sobre a estante. Enquanto ele procurava pelo número de telefone, fui até seu quarto. O mesmo quarto lilás, cobertas claras sobre a cama, a janela ainda emperrada, o abajur da Disney, a pilha de CDs importados e os DVDs românticos. Na parede principal, o painel de fotografias. Eu estava em quase todas. Dentro da gaveta semiaberta, todas as cartas que lhe escrevi. Nosso amor de verão se tornou eterno.
- Está tudo exatamente igual!
- Sim. Minha mãe, apesar da mágoa, ainda acha que ela irá voltar. Bem, aqui está o endereço, telefone, a faculdade em que ela estuda e o endereço de onde ela trabalha.
- Valeu, Carlos. Te devo essa!
- Bianca, eu nunca me dei muito bem com minha irmã, mas eu quero o melhor para ela. Aqui está o endereço, mas é importante que você saiba – Ele parecia procurar as palavras certas, mas estava com receio em dizê-las – a Laura está feliz, com outra pessoa. Ela sofreu muito quando você foi embora. Se você ainda a ama, não estrague essa felicidade que ela recuperou!
Aquilo me destruiu. Eu a mandei embora da minha vida, porque tinha que estar tão surpresa por ela já ter outro alguém? Peguei meu carro e rodei por toda a cidade. Os verões mais lindos foram ali, ao lado dela. Parei na orla da praia e deitei na areia. Aquela lua que observamos tantas vezes juntas parecia tão triste quanto eu. Os sons das ondas do mar eram minhas lágrimas silenciosas. Arrependo-me de ter dito adeus, de não ter aproveitado mais os momentos ao seu lado. Não havia como voltar atrás. Eu não iria fazê-la infeliz pela segunda vez.
- Algo me disse que te encontraria aqui!
- Pai?
- O Carlinhos me contou o que houve. Você realmente a ama?
- Olha, pai... eu sei que o senhor não acredita nessas coisas, que tem vergonha de mim, mas...
- Eu acredito! Sempre acreditei e admirei quem tivesse coragem o suficiente para admitir, mas isso quando era longe de mim. É a primeira vez que acontece tão próximo. Eu sempre via as pessoas sofrerem por causa do preconceito, apanharem, serem discriminadas em todos os lugares. E você é minha garotinha, não queria isso para você. Mas percebi que você é muito mais corajosa e mais forte que eu imaginei. É até mais corajosa que eu. Não vou pedir que me perdoe, mas quero que saiba que o que eu sempre fiz, foi tentar te proteger.
- Pai, eu te amo!
Nem é preciso dizer que me acabei em lágrimas. Voltei para casa seguindo o carro de meu pai. Sabia que não seria feliz sem ela, mas já era o suficiente ter o apoio dele. O tempo foi passando e aos poucos fui me acostumando com a dor. Passei um ano de intercâmbio na Austrália, depois mais seis meses no Canadá. Durante a viagem, enviei à ela um telegrama, com dedicatória e poucas palavras. Nunca recebi resposta. Quando voltei ao Brasil, comecei a trabalhar numa agência de Publicidade.
Dois anos se passaram desde que estive no litoral pela última vez. Meu pai queria a família reunida no natal. E partimos para a cidade praiana do meu amor de adolescência. Fotografando o calçadão da orla da praia, encontrei aquele rosto conhecido. Ela estava tão bem, sorrindo, sentada na areia, com mais alguns amigos, tomando água de coco. Petrifiquei-me ali mesmo, sem tirar os olhos dela, com vontade de correr e abraçá-la, mas sem encontrar coragem. E se ela me odiasse? Se nem se lembrasse de mim? Eu não tinha o direito de estragar sua diversão. Seria melhor ir embora e guardar, para sempre, aquela cena do seu lindo sorriso. Guardei a câmera e voltei para casa.
Aquela noite fizemos um luau na praia. Peguei o violão e, em volta da fogueira, com minha família e amigos, cantei algumas canções. Alguém puxou aquela música que ela sempre cantava para mim. “Ela me faz tão bem, ela me faz tão bem, que eu também quero fazer isso por ela.” Acompanhei com alguns acordes. O refrão me machucou. Terminei de tocá-la, entreguei o violão ao meu primo e me levantei.
- Aonde vai?
- Dar uma volta.
- Sozinha?
- Sim. Não demoro. Só quero molhar os meus pés.
Enquanto um pedaço de mim tocava uma parte mínima do grande Oceano Atlântico, eu pensava em como seria tê-la ao meu lado, naquele momento. O amor é assim mesmo? Acho que sim. Não tem idade, não tem sexo, nem distância ou barreiras que o faz acabar. O amor não tem limites nem medidas. O amor é assim, belo e formoso. Até sua dor, a mais forte de todas, é uma dor que você, no fundo do seu coração, gosta de sentir. O amor é masoquista. Quem nunca sentiu um amor tão forte assim, não deve ter sido feliz. Sou feliz só pela certeza de que existe, no mundo, alguém como ela, que me faz suspirar de paixão, que me faz tanto querer um bem a outro alguém, que faz dos meus sonhos os mais lindos, que me aquece de ternura nas noites de inverno e refresca meu coração nas tardes quentes de verão. O amor é isso e mais um pouco. Muito mais um pouco. Não sou capaz de descrevê-lo como se deve. Acho que ninguém nunca foi. Mas sou capaz de senti-lo. Um amor não deve ser esquecido e, quando verdadeiro, deve ser conquistado inúmeras vezes, cada dia, cada segundo. Eu não poderia desistir desse amor. Jamais. Fui até a casa dela, a pé mesmo, pela praia. As luzes noturnas eram tão belas, mas nada se comparava ao brilho da lua. Ela estava feliz e eu, confiante.
- Oi, Carlos! Sei que está um pouco tarde, mas eu preciso falar com a tua irmã!
- Oh, minha querida! Ela acaba de sair!
- Sabe para onde ela foi?
- Acredito que na Portuários. Hoje tem show de Lulu Santos.
Peguei o primeiro táxi que passou e entrei na Portuários. Lulu cantava Assim caminha a humanidade. Eu a procurei por toda a parte. A casa estava cheia. Ela sempre amou as canções do cara. Na certa estava na primeira fila. Com muito esforço, após três cotoveladas, cinco bate-cabelos, cheguei na metade da pista. Já estava em Aviso aos navegantes. Mais algumas pisadas no pé, aquele espirro nada agradável na minha direção, pessoas pulando e cantando com o cara.
Cheguei à primeira fileira bem no momento em que ele canta AQUELA canção. “Ela me encontrou, eu ‘tava’ por aí, num estado emocional tão ruim...” Fiquei parada, sem reação, olhando para aquela interpretação, e me vinha à cabeça imagens de nós duas. A primeira vez que ela cantou essa música para mim foi no nosso primeiro verão. Eu a julguei me esquecer logo que as férias acabassem. Ela me prometeu que isso jamais aconteceria. Me pegou em seus braços, beijou meus lábios e começou a cantar. Em todas as cartas que me mandou, havia um trecho dessa canção. “De ser querer bem, de se querer quem se tem...” Eu já não mais a tinha. Havia fracassado, pela segunda vez, na tentativa de pedir perdão. Ela não estava por lá.
Mas então uma luz iluminou a multidão, e pude encontrar seus olhos rasos d’agua, acompanhando a canção. Seu olhar encontrou o meu, e seguiram-se vários segundos sem que pudéssemos reagir. Parecia tão surreal. Pude sentir sua respiração forte, mesmo com o público pulando e o som ao vivo invadindo cada milímetro quadrado do ambiente. Ela desviou cinco pessoas que estavam em nosso caminho e pulou em meus braços. Como eu desejei poder sentir, novamente, esse abraço. Passamos o restante da canção assim, abraçadas, sentindo as batidas do coração uma da outra, sem dizer uma palavra. E pela primeira vez, em doze anos, eu disse que a amava.