A Subcelebridade
Era o verão de 2008. Eu havia me formado no colégio e completaria, em alguns meses, a maioridade. Aproveitei cada minuto, desde o primeiro dia. Tive meu amor de verão, baladas aos fins de semana, tardes no cinema, compras no shopping, praia, shows, festas do pijama, festas na piscina, romances, encontros, desventuras, brigas e viagens. Um ano inteiro sem trabalhar. Um ano inteiro sem estudar. Era o meu ano de carpe diem, como eu costumava dizer. Nas horas vagas da diversão, eu ficava na internet. E passava madrugadas na internet. Foi quando eu conheci a Subcelebridade.
Na época, eu fazia parte de diversas comunidades do falecido Orkut e era ativa em duas, em especial: uma sobre a banda Paramore e outra voltada para o público GLBT (antigo GLS). A comunidade do Paramore estava agitada: teríamos, em breve, a Final Riot Tour no Brasil. Ingressos na mão, ansiedade no peito e a contagem regressiva. Fiz três grandes inimizades dentro da comunidade e, como adolescentes à flor da pele, levaríamos isso quando, finalmente, nos encontrássemos no show, mas também fiz uma amizade muito importante: a doce Mary. Era com ela que eu passava horas e horas, madrugada adentro, conversando pela internet. Combinamos que nos encontrar na fila do show, mas deveríamos esperar por meses. Ela morava no interior de SP e eu no litoral. Enquanto as rixas continuavam nessa comunidade, na outra, uma curiosidade: uma garota desabafava sobre recente traição, mas o que torna o caso curioso, é que o namorado dela a traiu com outro cara. Confusa, ela queria saber se esse tipo de coisa era normal, se um cara pode ser considerado gay por ter beijado outro cara ou apenas um ‘curioso’. Ela nunca teve contato com um homossexual e não sabia, exatamente, como era essa vida. Tudo o que sabia era o que a sociedade dizia: “ser gay é errado, é imoral. Todos são imorais, a desgraça da sociedade”.
O debate durou semanas e, por incrível que pareça, ela foi bem recebida por todos. Sua inocência sobre o que, exatamente, faz um gay, e sua sinceridade, conquistou a comunidade inteira, mas foi comigo que ela teve mais contato. Do Orkut ao MSN. A doce Mary passou a ter ciúmes da minha mais nova amiga e eu não via motivos para isso. A minha relação com a Mary estava mais para ‘amizade colorida da internet’, enquanto com a moça traída era realmente apenas amizade da internet. Ou pelo menos era, no começo de tudo.
Com o tempo descobri que minha mais nova amiga era, na verdade, uma celebridade da internet, uma Subcelebridade. Seu blog tinha milhares de seguidores. Nossa amizade foi crescendo, fortalecendo... e a Mary se distanciando de mim. Ou eu dela. Não sei dizer, exatamente, o que houve. Eu continuava frequentando o cinema, o shopping, a praia, as baladas, mas não via a hora de estar em casa para poder conversar com a moça. Volta e meia eu recebia uma mensagem: “tem publicação minha no jornal”. Eu corria para a banca e via a foto dela, a mesma do avatar do blog, na coluna do jornal.
Numa certa tarde de inverno, uma mensagem que me surpreendeu: “Eu quero conhecer você. Pessoalmente”. Ela morava em outro estado. Apesar de, no fundo, desejar isso, nunca imaginei que um dia pudesse acontecer. Conversamos e decidimos que nos encontraríamos em outubro, no show do Paramore. Depois de tudo acertado, aquela janelinha do MSN sobe: “Mary P está online”. Por uma porção de segundos, imaginei como seria no dia do show. A briga na fila, com minhas três inimizades da comunidade, parecia ser bem mais atraente que encontrar Mary e a Subcelebridade juntas. Mary a odiava. Eu deveria contar para ela ou esperar o dia se aproximar? Desliguei o computador e fui me deitar. Passei a apreciar mais o tempo no cinema, no shopping, na praia... quase não acessava mais a internet. “Você sumiu”, diziam as mensagens que eu recebia no celular. Duas semanas antes do show, resolvi contar sobre a Subcelebridade para a Mary. Foi exatamente como eu temia: ela xingou, esbravejou, admitiu que sentia ciúmes e disse que não queria mais me ver. E me bloqueou.
Naquela mesma semana, a Subcelebridade me liga para avisar que teria uma prova na faculdade e não poderia perder. Não seria daquela vez que nos encontraríamos. Tentei falar com a Mary, mandar mensagem, deixei recado com a amiga dela, mas não obtive resposta. No dia do show, lá estava eu, na fila, sozinha. De longe eu pude ouvir: “olha ela lá!” e, na minha direção, caminhava sorridente uma das meninas, uma das minhas inimizades da internet, Tamiris, a garota com quem mais discuti nos fóruns. Ela e os outros estavam adiantados na fila e, surpreendentemente, fui convidada a me juntar a eles. Mais de dez horas na fila. Revezávamos para ir ao banheiro e comprar o lanche ou água, sentávamos na calçada, quando era possível, conversávamos e ríamos. Um garoto da comunidade havia prometido mergulhar na fonte invadir o palco do Credicard Hall, no dia do show. A galera olhava em volta, procurando por ele. Eu olhava em volta, procurando pela Mary. O show foi surpreendente. Ainda ouço a Hayley gritando, em português: EU AMO VOCÊ, SÃO PAULO. Ela começou a tocar e cantar When it rains no piano e então o público teve o momento romântico. Recebo uma mensagem no celular: ‘Olha pra trás”. Lá estava a Mary, a poucos metros de mim, mas não nos aproximamos. Apenas sorrimos.
Nas semanas seguintes fiquei fora da internet, desliguei o celular e aproveitei os meus últimos meses de ‘férias’. Eu estava me preparando para a faculdade. Quando me ‘reconectei’, milhares de mensagens deixadas pela Subcelebridade. Ela estaria em Santos dentro de 48h. E decidi que eu também. Nos encontramos no Museu de Pesca. Almoçamos num restaurante de frutos do mar, visitamos o porto e nos maravilhamos com os imensos navios que por ali passavam, atravessamos até Guarujá pela balsa e fizemos compras. Ela foi reconhecida por três pessoas, no shopping. Teve até fotos e autógrafo. Voltamos para Santos e decidimos terminar o dia assistindo DVD no apartamento que ela havia alugado. Closer, o filme preferido dela. Nós sabíamos o que estava prestes a acontecer, mas não sabíamos como iria acontecer. Quem daria o primeiro passo? Ela ou eu? Quem me conhece sabe o quão ‘parada’ eu sou nessa questão. Ela me beijou. Foram três dias de romance. Ela voltou para casa e eu para as minhas férias. Reencontrei meu amor de verão e revivemos tudo de novo. A Subcelebridade também encontrou alguns outros muitos amores pelo caminho. Deixou de ser aquela garota inocente, passou a frequentar baladas e a ter mais contato com o mundo homossexual. Não sei dizer se ela ficou com outras garotas, mas ela afirmava que não. Um ano depois ela me mandou uma mensagem dizendo que sentia falta de conversar comigo, de madrugada. Respondi que eu sentia falta, também, e que naquela noite eu estaria on para matar as saudades. Ela não apareceu.
Noite de domingo, intervalo do Fantástico. Uma chamada para o próximo Big Brother Brasil. Eu estava sentada no sofá, de frente para TV, distraída, rabiscando uns desenhos, quando ouço o nome de uma das participantes. Era ela. Olhei para a televisão e vi seu rosto. Era, realmente, ela. Assisti ao programa todos os dias em que ela participou. E passei o tempo inteiro querendo encontrar aquela inocente garota que conheci, mas eu não a enxergava. Ela havia mudado completamente. Saiu do reality com alto índice de rejeição. O blog perdeu a popularidade, mas ainda assim ela se achava A ESTRELA. Cheguei a tentar contato, mas nunca recebi respostas. Às vezes eu sinto falta dela. Sempre que passo pelo porto de Santos, lembro aquela tarde. Sempre que assisto Closer, lembro que este era seu filme favorito. E se alguém, na rua, passa por mim usando um Cacharel, lembro que este era o perfume que ela usava. Eu ainda tenho os contatos dela. Na agenda do celular, do email... Entrei outro dia no Skype e ela estava online. Não sei se devo puxar assunto ou deixar as coisas como estão. De qualquer forma, ainda sinto que esta é mais uma história inacabada...