O cara perfeito
Essa é a história que não deveria ser escrita. Não sei se chegarei a publicar esse texto. Eu prometi não dedicar uma linha sequer sobre ‘nós’, mas não posso ignorar o que ele significou/significa em minha vida. Foi apenas um mês, mas talvez pelo momento, ou pelas coisas que passamos juntos, ou até mesmo pelas palavras que eu disse a ele durante um momento de frustração, foi intenso.
Eu trabalhava com captação de alunos, na faculdade, e realizava visitas com os candidatos. Em uma tarde de outono recebi a visita de um candidato de transferência. Duas horas e meia de visitação, que costuma durar, em média, apenas 30 minutos. Eu me sentia confortável, ao conversar com ele, como se já nos conhecêssemos e, de fato, já nos conhecíamos. Ele fez aulas de piano com uma de minhas amigas da infância e nos encontramos em algumas apresentações. Eu gostava de ouvi-lo tocar. Isso sempre me acalmou. Em uma das apresentações, ele tocou Love Story, de Francis Lai, música tema de um de meus filmes favoritos, de mesmo nome. E tocava tão bem quanto o original. Seus dedos dançavam pelo teclado de uma forma envolvente, apaixonante, como se a música fosse sua condição. Não nos víamos há pelo menos oito anos.
Nos encontramos, semanas depois, no apartamento da nossa amiga. Ela fez uma festa de despedida para ele, que resolveu morar em Londrina. Muitas cervejas depois, nos entregamos às conversas soltas: “Você seria a namorada perfeita para mim: sincera, mas sem deixar de ser sensível, bonita, inteligente, comunicóloga, gosta de música, escreve muito bem, transmite confiança com o olhar e não tem vergonha de admitir seus medos e seus erros”. Respondi na mesma toada: “Você também seria o cara perfeito para mim: gosta de música, de skate, sabe tocar piano e guitarra, tem uma banda, anda com o cabelo bagunçado e a barba mal feita e, o mais importante de tudo, vai morar longe, bem longe, o que nos impede de iniciar uma relação e, consequentemente, sofrer quando der errado”. Após alguns segundos em silêncio, ele me perguntou se eu achava mesmo que daria errado. “Sim, pois todas as relações dão errado, para alguém. Pode durar um mês, um ano ou décadas, mas algum dia dará errado e o tempo que foi bom quase será esquecido para dar espaço ao tempo que foi ruim”.
Dois anos depois, já não tínhamos mais contato. Eu havia excluído minha primeira conta do Twitter, ele do Facebook, já não usávamos mais o Orkut e nem o MSN e troquei o número do meu celular. Seguimos caminhos totalmente diferentes, mas eu ainda tinha breves notícias dele trazidas pela minha amiga. Ele se apaixonou por uma garota, em Londrina, namorou durante os dois anos em que esteve lá, até descobrir a traição. Estava frágil. Eu também estava no auge do meu sentimentalismo, ainda chorando pelo fim do meu último relacionamento. Além disso, nós dois temos algo em comum: somos chorosos cancerianos, os personagens mais cheios de mimimi do horóscopo.
Recebi um email dele, o cara perfeito: “Ainda tem medo de se envolver e continua fugindo das relações?”. Fiquei um pouco surpresa. Mal me lembrava de nossa última conversa, demorei para conectar o assunto, e então, ao compreender, respondi: “Não há como fugir das relações. Se eu não me envolver, não serei feliz, certo? Sofrer é apenas uma consequência. Aprendi isso com o tempo”.
Trocamos e-mails por mais de uma semana. Ele entraria em férias em poucos dias e pretendia passar uma semana em São Paulo antes de viajar à Buenos Aires. Nos encontramos na praia. Caminhamos, tomamos açaí, rimos do passado, das coincidências da vida, dos nossos vários encontros e desencontros... eu estava comentando sobre a viagem, quando ele me beijou. Um beijo gelado, com gosto de açaí, misturado ao sorriso de garoto, de menino perfeito, que ele tem.
Durante todo o mês, ele ia para a casa dos pais, visitava os antigos amigos, foi à Buenos Aires, viajava para as cidades próximas, de carro, e toda vez que estávamos longe, brigávamos por alguma boba razão, mas sempre, no final do dia ou da semana, ele voltava para mim e todas as discussões deixavam de fazer sentido. Ele me fazia bem, não vou negar, mas também não posso ignorar o motivo. No fundo, eu estava usando-o para provar a mim mesma de que eu era capaz de me envolver rapidamente por outra pessoa, como se o último relacionamento não tivesse significado nada. O problema é que demorei a perceber isso.
Ele voltou a morar em São Paulo e já estava envolvido mais do que deveria. E eu estava me sentindo presa em mais uma relação. Tentei explicar a ele, mas a escolha de palavras que eu fiz não foi das mais felizes. Rompi nosso relacionamento, inclusive a amizade, e só então eu percebi que, mais uma vez, eu estava errada: eu também havia me envolvido mais do que deveria e trilhei apenas os caminhos mais errados. Não que haja um caminho certo, em se tratando de relacionamentos, mas deve haver algum que seja menos errado. Procurei por ele, pedi desculpas, aceitei as críticas, admiti meus erros e reconheci meus confusos sentimentos por ele, mas finalizei com um “Não podemos mais fazer isso, desculpa. E agora eu sei que a gente tem que lembrar que deu certo, por um tempo, e não que deu errado”. Ele me abraçou, disse entender meus motivos, ainda um pouco contrariado com minha decisão, mas respondeu: “Eu não estou desistindo de você, mas da dor que você me causa”. Quase pude ouvir as notas musicais enquanto ele dizia isso. A música Love Story me traz um pouco de dor, quando a ouço. Me faz lembrar as palavras dele...