Prometi
que aquela seria a última dose. Vieram mais oito, depois disso. Florence and the Machine embalava a
noite. O som alternativo da banda me deixava ainda mais tonto. Cambaleei,
totalmente embriagado, até o toalete, atravessando o salão pela pista de dança.
Duas ou três moças tentaram me puxar. Alguns rapazes passaram a mão pelo meu
corpo. Cheguei à porta sem bem me lembrar de como, exatamente, consegui me
manter em pé. Passei o restante da noite deitado no sofá da boate. Acordei duas
horas depois, ao som de Kuduro.
Paguei a conta, saí à rua, vi o sol despontar além dos arranha-céus da capital
e me deparei com a incerteza do meu rumo.
Atravessei
o bairro, cheguei a outro, entrei no parque e adormeci. Sonhei com ela. Em seu
vestido azul, ela sorria para mim, me chamava, me pedia para segui-la. Eu, bobo
e apaixonado, assim como na vida real, fazia para agradá-la. Ela andava sem
dizer palavra alguma, sem tomar rumo nenhum. Apenas caminhava sem parar, pois
sabia que eu a seguia, mas então ela parou. Não olhou para trás, não fez gesto,
não disse nada. Apenas parou e eu sabia que também deveria parar. Ela olhou por
sobre os ombros. Havia uma corda ao meu lado. Entreguei-a. Ao me inclinar
reparei que havia um abismo. Ela enrolou a corda no próprio pescoço e pulou.
Acordei
com um chacoalhão do segurança do parque. Ainda um pouco tonto, não mais pela
bebida e, sim, pelo sonho, voltei às ruas. Eu ainda tinha um pouco de dinheiro
no bolso. Não era muito, mas o suficiente para pegar um ônibus até o litoral.
Não tinha certeza se eu deveria ir, pois foi lá onde tudo aconteceu, mas talvez
fosse minha única chance de afastar os fantasmas que me assombram há anos. Ou
deixá-los ainda mais próximos de mim, a ponto de me levarem consigo.
Eu
era o único sem bagagem, sem ao menos uma mochila. Apenas a roupa do corpo e a
carteira. Sentei à janela. Cada árvore no caminho, cada túnel, cada lanchonete,
cada posto de gasolina me fazia lembrar, com uma terrível dor no peito, a
última viagem. Eu dirigia e ela sorria, contente com os planos para o feriado. Casaríamos
em breve e ela dizia que deveríamos ter uma casa de praia e que levaríamos
nossos filhos durante as férias. Senti uma lágrima escorrer quando essas
últimas lembranças vieram à minha mente. Eu perdi a mulher que eu amava. Eu
matei a mulher que eu amava.
Foi
em nossa terceira noite na praia. Voltávamos embriagados de uma festa. Ela
dirigia. Chegamos ao estacionamento do hotel e eu pedi para que déssemos mais
uma volta pela cidade. Ela estava cansada, queria dormir. Eu insisti e ela, enfim, aceitou. Insisti,
também, para que eu dirigisse. Peguei o carro e saí em alta velocidade. No
começo, ela achou divertido, mas logo o sorriso deu lugar ao medo. Ela parecia
saber o que estava prestes a acontecer. Gritou, chorou, insistiu para que eu
parasse e eu não dei ouvidos. Subi a estrada que levava para o alto de um
morro. Mais uma vez ela esbravejou, implorou e então eu parei o carro. Ela
desceu e disse, olhando por cima do ombro, que voltaria a pé para o hotel. Eu
mandei que voltasse e ela negou. Furioso, arranquei o motor e, assim como no
sonho, percebi que estava à beira do abismo. Era tarde demais. Eu havia jogado
o carro contra ela, fazendo-a cair no morro e desaparecendo no mar. Eu matei a
mulher que eu amava.
Lá estava eu, novamente, à beira do
mesmo abismo. A culpa e a dor permaneciam em mim. Aumentavam com o tempo.
Queimavam por dentro. A marca do pneu não estava mais lá, mas ainda pude vê-la,
assim como vejo aquele vestido azul cair sobre as águas. Ela gostava quando a
minha gravata combinava com a roupa dela. Olhei para o meu peito. Minha gravata
azul. Sorri. Momento de dançarmos nossa última valsa. Minha hora de cair.
***
Acordei.
Mais um pesadelo sem sentido dentre tantos que tive desde que acordei do sonho
mais lindo: o sonho da vida real, aquele que eu destruí pelo simples fato de
querer vive-lo para sempre. Vários rostos, várias histórias, mas sempre com um
trágico fim. Ela sempre aparece em meus sonhos. E nem em sonhos podemos viver
esse amor que eu cativo em silêncio nesse meu inquieto coração...