Sentada
no banco da ciclovia, local onde eles deram o seu primeiro beijo, ela viu o
carro se aproximar e estacionar na orla da praia. Era o mesmo carro de que se
lembrava: preto com detalhes em prata. Ele, que sempre andou de moto, comprou o
veículo depois que ela disse não gostar de motos, assim ele poderia levá-la
para passear sempre. Foi nesse mesmo carro que ele a pediu em namoro, ainda
trêmulo. Meses depois, ainda nesse carro, ele também a pediu em casamento.
Pedido esse que nunca teve uma resposta. E ela se lembrava desse detalhe, com
certa culpa no olhar, mas feliz, ao vê-lo manobrar com cuidado, no
estacionamento da orla.
O pai dele, seu
ex-sogro, foi o primeiro a descer do carro. Ainda usava o mesmo bigode
característico que a fazia rir sempre que ele gargalhava sem abrir os lábios.
Ela gostava muito dele e ele sempre a chamava de ‘minha nora preferida’. Quase
que no mesmo instante, a porta do motorista se abriu. Ele saía com cuidado. Era
alto demais para um carro compacto, então tinha que se esquivar de forma
engraçada sempre. Assim que saiu, correu para abrir uma das portas de trás,
onde sua mãe estava. Ela se levantou carregando nos braços um bebê: seu neto.
“Eu quero que vocês me deem um netinho logo”, dizia a
sogra, durante os almoços em família, aos domingos. Foram vizinhos durante uma
vida inteira e, quando começaram a namorar, agradaram as duas famílias. “Vocês
não poderiam me dar presente melhor”, ouvia, ainda em sua mente, a ex-sogra
dizer, enquanto observava com atenção aquela família que um dia fora sua.
Distraída, observando os três membros da sua antiga
família mimando o novo pequeno Soares, nem reparou que da porta do carona,
lugar que um dia foi seu, saía a nova Senhora Soares: alta, loira falsa,
siliconada. Tudo o que ele, um dia, dizia não gostar. Ela riu ao pensar na ironia. E riu ainda
mais, de alívio, por não ser ela ali, com a aliança na mão direita e um bebê no
colo, depois de decidir ficar ao invés de realizar seu sonho de construir uma
carreira.
Ela levantou-se do banco, pediu uma água de coco e saiu
pela praia, caminhando sozinha, enquanto as lembranças do término voltavam à
sua mente: “se você entrar nesse ônibus, estará tudo acabado. Para sempre”. E então
ela se foi.
Praia do Cibratel - Itanhaém; Fotografia: Bruna Sousa |